Andre Vltchek | Resistir.info - Quando penso na Coreia do Norte, a primeira imagem que me vem à memória é uma névoa sobre a superfície calma e majestosa do Rio Taedong perto de Pyongyang. Então, lembro sempre aqueles dois amantes, ligados num abraço terno e quase desesperado, sentados lado a lado na margem. Vi-os todos os dias, durante os meus passeios matinais.
Agora, enquanto a "armada" de Donald Trump, navega em direcção à China e à RPDC lembro esses momentos: a falésia, os amantes e um pescador isolado com sua comprida cana de pesca do outro lado do rio. Tudo na minha memória ligado a essas madrugadas está imóvel, sereno.
Por vezes pergunto-me se as palavras têm ainda o poder que tiveram alguma vez. No passado, um belo poema, uma confissão ou uma declaração de amor eram capazes de mudar uma vida inteira, às vezes até o destino de uma nação. Mas será ainda hoje o caso? Como escritor, sinto muitas vezes a futilidade, mesmo o desespero. Contudo, como internacionalista, recuso-me a sucumbir ao pessimismo, e tento usar as palavras como armas, uma e outra vez.
Eu já disse muito sobre a Coreia do Norte. Mostrei fotos. Falei sobre a dor inimaginável que este país teve de suportar. Falei extensamente sobre seu gesto enorme – a ajuda para libertar e educar muitas partes do mundo, incluindo o imenso e devastado continente africano.
Edifícios de habitação em Pyongyang. Mas a propaganda contra a RPDC ainda predomina.
Deixai-me tentar de novo, mais uma vez. A Coreia do Norte é um país magnífico, habitado por seres humanos, com sangue a circular nas suas veias. Apesar do que directa e indirectamente vos dizem, essas pessoas sentem dor e são capazes de experimentar grandes alegrias. Como outros, eles sonham muitas vezes, apaixonam-se e sofrem quando são insultados, ou traídos, ou abandonados. Riram e choraram, dão-se as mãos, irritam-se e até desesperam. Têm grandes esperanças de uma vida melhor e trabalham duramente para construir o seu futuro.
Então, escute bem, você que dirige ou supervisiona o que chama de " ;mundo livre" ;. Ou será necessário chamar-lhe " ;Presidente" ;? OK, seja Presidente... Se você disparar os seus mísseis Tomahawk (como fez recentemente na Síria), ou se você lançar a sua " ;mãe de todas as bombas" ; (como fez num lugarejo miserável, abandonado no Afeganistão, apenas para demonstrar a sua agressividade e a sua força destrutiva), os seus corpos irão ser desfeitos e pessoas vão morrer em agonia. As mulheres gritarão de desespero ao enterrar seus maridos, os avós serão obrigados a cobrir os cadáveres dos seus netos com roupa de cama branca, bairros e aldeias inteiras deixarão de existir.
Claro, que é o que a sua gente faz por toda a parte. Pensam que são os donos do mundo, tão habituados a espalhar a dor e a desolação em todos os lugares. Mas deixe-me lembrá-lo mais uma vez e escrever preto no branco: isto pode parecer um divertido vídeo game ou um programa de TV, mas não é o caso. Tudo é real quando a sua porcaria atinge o alvo, é realmente real! Pela minha parte já vi bastante disso, realmente já vi demais! Eu sei que não é o que lhe dizem, e não é o que você diz aos outros.
Teatro em Pyonyang. Supõe-se que os norte-coreanos sejam olhados e se comportem como uma nação de robôs sem cérebro, a quem faltam emoções básicas e individualidade, olhando sem nada ver, incapazes de sentirem dor, compaixão ou amor. Você não quer ver a verdade, a realidade é que você quer que os outros também sejam cegos.
Mesmo que você reduzisse a RPDC a migalhas, você não veria muito, você não veria quase nada: apenas os seus próprios mísseis disparados dos seus navios de guerra, submarinos e aviões descolando dos seus porta-aviões, bem como algumas imagens de computador das poderosas explosões. Nenhuma dor, nenhuma realidade, nenhuma agonia nada lhe tocaria. Nada afectaria você, você e os seus cidadãos.
É você quem está cego, não eles os norte-coreanos.
Na verdade, você gosta disso, não é? Admita-o. Vamos ser francos. E muitas pessoas no Ocidente gostam disto também – estas novas experiências palpitantes, este " ;divertimento" ;' gratuito, esta pausa bem-vinda na sua rotina diária, vazia, cinzenta, sem amor e sem significado, na América do Norte e na Europa com centenas de milhões de telespectadores colados aos seus ecrãs de televisão. A sua popularidade está em baixa, ultimamente, não é? Quanto mais mísseis atirar, bombas soltar ou quanto mais países intimidar e atacar, mais o seu " ;índice de popularidade" ; vai subir.
Você é um homem de negócios, afinal. As regras do jogo são simples, fáceis de entender: você dá à sua população, o que ela deseja, e em troca ela dá-lhe apoio e admiração. O psicólogo Carl Jung descreveu esta cultura como "patológica". Ela já destruiu uma boa parte de todos os continentes da terra. Talvez agora esteja a tentar acabar com o resto.
Estrada rural na RDPC. No entanto, você deve saber e compreender e estar totalmente ciente do seguinte: agora você pode obter amplo apoio dos seus concidadãos, mas se você fizer explodir a RPDC ou qualquer outro país do mundo, e se o mundo conseguir sobreviver, você e a sua " ;cultura" ; serão amaldiçoados durante os próximos séculos e milénios! Pense nisso. Realmente vale a pena?
Talvez você se esteja nas tintas profundamente. Provavelmente é o caso. Mas tente pensar, tente imaginar: você vai entrar na história como um assassino degenerado e um fanático!
Eis como há três anos descrevi o 60º aniversário do dia da vitória na Coreia do Norte:
"A banda começou a tocar de novo um trecho militar. Eu fiz zoom sobre uma velha senhora, com o peito decorado com medalhas. Quando me preparava para pressionar o botão do obturador, duas grandes lágrimas começaram a fluir pelo seu rosto. E de repente, percebi que não podia fotografá-la. Seu rosto estava completamente enrugado e no entanto era ao mesmo tempo jovem e infinitamente terno. Pensei "Este é o rosto que tenho procurado desde sempre" Porém, não consegui carregar no obturador da minha, Leica.
Algo se me apertou na garganta e eu tive que procurar no meu saco um lenço de papel, porque meus óculos estavam embaçados, por um breve momento não via nada. Solucei bem alto, apenas uma vez, mas ninguém me pode ouvir por causa da música.
As ameaças do imperialismo. Mais tarde, aproximei-me dela, inclinei-me para cumprimentá-la e ela fez o mesmo. Confortámo-nos no meio da praça principal. De repente senti-me feliz por estar ali. Ambos perdemos algo. Ela perdeu mais. Eu tinha certeza de que ela tinha perdido pelo menos metade dos seus seres amados durante a carnificina ocorrida há muitos anos. Eu também perdi alguma coisa, e agora perdi todo o respeito e sentimento de pertença a esta cultura que ainda reina no mundo. Esta cultura que já foi em tempos a minha, mas uma cultura que rouba a todas estas pessoas os seus rostos, para então queimar os seus corpos com napalm e chamas.
Era o 60º aniversário do dia da vitória na RPDC. Um aniversário marcado por lágrimas, cabelos grisalhos, grandes fogos-de-artifício, desfiles e "memórias do fogo" ;. Naquela noite, depois de voltar à capital, finalmente cheguei ao rio. Estava coberto por uma névoa suave mas impenetrável. Havia dois amantes sentados perto da margem, imóveis e silenciosos. O cabelo da mulher caía suavemente no ombro do seu apaixonado. Ele segurou-lhe a mão. Eu ia levantar a minha grande máquina fotográfica profissional, quando de repente parei por receio de que o que meus olhos viam, ou que meu cérebro imaginava, não se reflectisse no visor" ;
O Ocidente já matou milhões de norte-coreanos. Quantos mais devem desaparecer, só por recusar render-se? Qual é o preço a pagar por não aceitar servir o Império? Vai ser 1 milhão, 10 milhões ou mais? Dêem-me um número, por favor. Você é um empresário, afinal de contas, anuncia o seu valor de vendas com toda a honestidade!
A RPDC nunca atacou ninguém. Os Estados Unidos, que agora dizem "sentir-se ameaçados", atacaram dezenas e dezenas de países, roubaram milhões de pessoas, suas vidas, sua liberdade e democracia, suas culturas, por todo o mundo. Há uma foto dentro da minha cabeça que quero compartilhar com todos os meus leitores, mesmo com o risco de cair desta vez no sentimentalismo. Pela primeira vez, não me importo. O momento não é de " ;estilo elegante e educado" ;. Então, ei-lo:
Em dado momento, consegui afastar-me da nossa delegação. Foi na capital, Pyongyang. Pus-me a caminhar ao longo do rio poderoso, através de um enorme parque que rodeava antigas fortificações.
A ocupação militar da Coreia do Sul pelo imperialismo. Avistei uma menina pequena com um grande laço no cabelo. Usava sapatos brancos. O sol estava a pôr-se. Sua mãe, uma mulher simples mas bonita, falava-lhe. Era óbvio quanto ela amava e acarinhava a sua filha. Elas não podiam ver-me. Eu assistia à distância. Havia tanta ternura, tanta serenidade, entre esses dois seres humanos. A mãe acariciou o rosto da filha, explicando algo, mostrando-lhe as árvores. Seus rostos eram totalmente descontraídos, sem medo, sem tensão, apenas amor.
Caminhei para mais longe ainda no parque e vi um casal rodeado por um grupo de pessoas. Era uma sessão de fotos da família. Obviamente, tinha sido um casamento. Ele vestia uma roupa formal, ela um vestido de noiva. Então notei que uma boa parte da cara do noivo estava escondida por grandes óculos escuros. Ele era cego. Provavelmente estava gravemente queimado por trás dos seus óculos escuros. Sua esposa era mais jovem, e era atraente. Estava feliz! Continuou falando, rindo alegremente. Fiquei espantado. No Ocidente, as pessoas traem, abandonam-se por quaisquer inconvenientes, pelas razões mais egoístas. E ali, uma jovem atraente casava-se, alegremente, com seu homem seriamente ferido, para poderem andar juntos, lado a lado, para o resto de suas vidas.
Eu vi muito da Coreia do Norte após essas horas no parque. Estive frente à mais fortificada fronteira da terra. Conheci e discuti filosofia e como o Ocidente tenta desumanizar os seus inimigos, com Yang Hyong Sob , vice-presidente do Comité permanente da Comissão popular suprema. Discuti filosofia e existencialismo com o grande teólogo e filósofo John Cobb, a bordo de um autocarro que nos levou de Pyongyang à fronteira.
Houve "grandes momentos" durante esta viagem, grandes celebrações à minha volta. Houve espectáculos sofisticados e discursos, marchas e música. No entanto, nada me tocou tão profundamente como aqueles momentos no parque. Lá, vi um enorme carinho dado a uma criança por sua mãe. E tenho testemunhado esta beleza natural, a simplicidade e a alegria do amor, misturado com serenidade e dignidade irradiando de uma jovem que se casa com seu companheiro cego e ferido.
Esta é a Coreia do Norte que tive o privilégio de ver com meus próprios olhos. É a Coreia do Norte que o Presidente dos EUA quer "tomar conta", o que significa "destruir". Foi na Coreia do Norte onde verifiquei, como em tantas outras ocasiões, em tantos outros países, que há ainda muito amor nesta terra e que nenhuma brutalidade, nenhuma crueldade, jamais poderá vencer.
Este texto não é dos meus " ;normais" ;. Não é filosofia, nem história. Não sei o que é. Não me interessa o que é. Eu só queria compartilhar algo com meus leitores: algo que me interessa no momento, algo que quebra e grita e que se revolta contra este estado de coisas. O que tenho a certeza, é que, agora, eu quero estar lá, em Pyongyang. Eu quero voltar, mesmo que ninguém me tenha convidado.
Se o supervisor, o gerente, o Presidente, decidir atacar, quero estar em pé e alerta e pronto, face aos seus navios e seus mísseis. E assim, como sempre, sem abrigo ou colete à prova de bala, só com minhas máquinas fotográficas, uma caneta, um bloco de notas e um pequeno dragão asiático – para dar sorte – no meu bolso.
Não terei medo. Não creio que a maioria das pessoas da Coreia do Norte tenha medo. Somente aqueles que estão dispostos a cometer assassinatos em massa, de novo e sempre, em todo o mundo, agora estão com muito medo. Pelo menos inconscientemente, pelo menos na sua própria essência, assim como na sua própria loucura.